Eclea Bosi, psicóloga e professora de Psicologia Social da Universidade de São Paulo (USP), falecida em 2017, teve trajetória profissional e acadêmica marcada por pesquisas sobre a velhice. Ela criou na USP a UATI (Universidade Aberta a Terceira Idade) e inovou ao defender a tese de que a sociedade da produção esquece a existência do velho e sua contribuição que é lembrar.
Nestas últimas semanas diferentes de covid19, em que muitos idosos têm morrido e muitas pessoas se colocando com desdém para essas mortes, tenho refletido sobre as memórias dos velhos e, consequentemente, lembrei de Eclea. Eu que trabalhei com memória desde a graduação, hoje vendo mais velhos sendo deixados de lado por esta sociedade que continua preconizando a produção, sinto-me tocado e, ao mesmo tempo, motivado a trazer memórias à superfície… memórias que muitas pessoas insistem em sufocar.
O velho produz memórias. Por meio de suas narrativas construímos nosso presente, compreendemos e damos sentidos à vida. A sabedoria vem dos velhos. Nos velhos encontramos respostas para definir o curso das coisas. Então valorize os velhos, seu conhecimento, sua trajetória.
Apesar de toda debilidade ou limitação física, o velho um dia já foi jovem como você, já produziu e ajudou a construir este mundo ao qual você usufrui. Compreenda suas resistências, teimosias, ele não é uma criança, embora às vezes pareça.
Não há nada de errado em ser velho. Tudo um dia fica velho. O tempo nos faz velhos. E é lindo ter passado ao longo da vida por transformações pessoais e sociais e ter coisas pra contar. É lindo ter cabelos brancos.
A velhice expõe nossa alma, quanto mais velho mais nos aproximamos de nós. É por isso que normalmente com o passar do tempo nos preocupamos menos com o que os outros pensam sobre nós e muito mais com nosso bem-estar. Ser velho é se tornar você, por isso incomoda.
Não se espante com a quantidade de vezes que o termo velho foi utilizado neste texto, foi proposital. A intenção foi fazer presente a velhice para impactar e reforçar a naturalidade que é ser velho.
Neste sentido, é bom esclarecer que idoso é um termo gourmet para vender coisas para os velhos. Foi a maneira que a sociedade da produção arranjou para produzir para a velhice. Entenda, eu não estou aqui demonizando a produção, mas sim trazendo uma reflexão sobre como ela pode deixar turva nossa visão, e espremer nossos sentimentos a ponto de ignorarmos outras vidas.
Não existem humanos mais importantes que outros. A sociedade é constituída por uma diversidade de humanos e os velhos fazem parte dela. Em quase todas as famílias encontramos um velho, ele pode ser o Amor incondicional de alguém. Então, vamos nos cuidar, vamos dar a oportunidade de nos protegermos e salvarmos todos. Um dia você poderá ter a oportunidade de ser velho, de lembrar e contar como foi superar o covid19. Não se esqueça disso…
Psicólogo Maicon Moreira, Mestre e Doutorando em Psicologia pela UFRRJ.
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