Eu cresci e me tornei um homem de sucesso. Desde novo decidi trabalhar porque estudar não era o meu forte. Quando eu tinha mais ou menos uns quinze anos, consegui um bico na loja de uma portuga lá no Centro do Rio, na rua da Alfandega, e trabalhei com ele por dez anos. Sai de lá porque abri minha própria loja de tecidos e aqui estou. Meu nome é Aguinaldo, eu sou empresário, tenho cinquenta e oito anos e vou contar pra vocês o motivo da minha depressão.
Como eu estava dizendo, eu sai da loja do português pra abrir minha própria loja de tecidos e depois dessa surgiram outras lojas. Foi um período muito bom na minha vida, consegui me tornar alguém com meu próprio trabalho, sem depender ninguém, e isso pra mim é algo muito importante.
Meu pai sempre disse que a gente estudaria. Ele queria que eu e meus irmãos tivéssemos uma vida diferente da dele. Ele também foi comerciante, trabalhou desde cedo pra nos dar uma vida melhor, nós somos em cinco irmãos. Eu fui o único que não quis estudar, sempre soube que isso não era pra mim. Todos os meus quatro irmãos se formaram e seguiram na profissão que escolheram.
Quando eu estava com meus quatorze anos, burlando muito aula e tirando notas baixas, meu pai disse que eu acabaria sendo ninguém na vida. Lembro como se fosse hoje as palavras dele, foi profunda e dolorida, mas me fez forte e convicto do meu desejo. Foi assim, quando eu completei os quinze anos, decidi tentar a vida à meu modo.
E eu venci… vivi uma vida difícil, solitária em muitos aspectos, mas venci…
Eu fico feliz ao falar isso. De verdade EU VENCI… Eu não sou rico, mas tenho uma vida ótima que é fruto do meu trabalho. Meu pai acabou me dando nada, ele perdeu boa parte do patrimônio ajudando meus irmãos a se formarem e eu cresci.
Bem, eu faço terapia tem onze meses. Comecei porque minha filha não me aguentava mais. Fico triste de relatar isso, mas foi a mais pura verdade.
Eu tenho três filhos, são duas meninas, e um menino. Duas mulheres e um homem né, porque todos os três já são adultos. Mas uma ainda mora comigo, a Giovanna. Ela me levou ao psicólogo porque desde 2016, quando a crise econômica cresceu no país, eu comecei a desanimar pra vida. Confesso que essa instabilidade na economia, o aumento de juros em tudo, é imposto pra todos os lados, tudo isso passou a me desanimar do trabalho, consequentemente da vida.
É difícil ser empresário neste país. Veja, com o passar dos anos parece que o lucro foi diminuindo porque, além dos muitos impostos, a inflação também está lá nas alturas. Tudo que a gente compra a gente paga caro pra ter na loja e isso diminui os ganhos. De uns tempos pra cá eu tenho trabalhado só pagar as contas e manter meus funcionários. Tenho me esforçado pra manter todos os empregos e fico preocupado a cada dia com esses problemas todos. Se minha loja falir serão no mínimo vinte famílias sem sustento e eu me sinto responsável por isso e, ao mesmo tempo, de mãos atadas pra conseguir superar. Hoje a vida é diferente pra mim, nesse momento me sinto sem forças, cansado, não sou o mesmo da época dos trinta anos.
A pandemia veio e se transformou em outro problema. Quando eu pensei que as coisas iriam dar uma guinada, veio a pandemia e nos colocou a corda no pescoço. Tem sido difícil, mas piorou nos últimos meses.
Lembrei aqui de ter chegado na terapia falando não existir motivos pra viver. Rapazzzzz, eu estava muito pior que agora, verdadeiramente estava muito mal. Nada me fazia enxergar a vida com outros olhos. Eu já não conversava mais em casa, quase não ia mais pra loja, estava com vergonha dos meus irmãos saberem que as lojas estavam mal. Olha, foram momentos difíceis, mas eu estou melhorando….
Na terapia eu fui percebendo o quanto a presença do meu pai ainda é forte na minha vida. Eu achava que aquele velho tinha partido, mas ele continua aqui, na minha cabeça falando que eu “ia ser ninguém na vida”. Ah cara, como é estranho reconhecer isso aos cinquenta e oito anos. Perceber o quanto seus pensamentos são influenciados pelo seu passado é algo muito interessante.
Hoje pensar na possibilidade de perder tudo com essa idade seria o mesmo que dá o braço ao meu pai de que eu me tornei “um zé ninguém”. Eu me sinto mal demais pensando nisso…
Assim eu estou caminhando na terapia, entendendo algumas coisas, refletindo sobre outras. Às vezes eu penso que não vou melhorar da depressão, outras vezes eu acredito cem por cento na melhora. Mas continuo indo porque tem me feito bem.
Nenhum de nossos contos retrata o caso de algum paciente atendido por nós. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurarem terapia/psicoterapia.
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