Quando na primeira sessão o psicólogo pediu pra fechar os olhos, respirar profundamente e buscar a primeira lembrança que eu tinha de minha infância, eu caí em prantos. Meu nome é Tobias, sou médico, tenho quarenta e sete anos e vou contar pra vocês o que me levou a iniciar terapia.
Em junho de 2020, em meio à pandemia e o corre-corre no hospital, eu procurei por um psicólogo porque minha vida parecia ter perdido o sentido. Embora eu soubesse que ela não era ruim, eu me sentia estranho, desanimado, não conseguia sentir, tudo era difícil, ruim, desnecessário…
Meu psicólogo gosta de trabalhar com imagens mentais, vive me pedindo pra imaginar coisas e a primeira vez que eu fiz isso me recordei de um passado distante, quando eu ainda era muito pequeno e não conseguia sonhar. Essa experiência me fez lembrar de sentimentos que eu julgava não fazer mais parte de mim, pois os deixei pra traz sem vontade alguma de abraçá-los.
Nessa primeira consulta eu lembrei de uma época muito difícil com meus pais, onde vivíamos num clima familiar conflituoso, instável e necessitando de coisas básicas, como alimentação por exemplo. Foi um período difícil pra mim, era estranho ser criança, desejar as coisas e não poder tê-las, ver seus pais sofrendo com a crise financeira e você não poder fazer nada, perceber que sua existência em muitos momentos ajudava a complicar tudo.
Hoje, depois de sete meses em terapia entendo algumas coisas. Percebo com mais facilidade o quanto essa vida instável que eu vivi contribuiu para meu amadurecimento precoce e isso foi prejudicial pra mim.
Muito cedo eu deixei de lado os pensamentos de criança, os sonhos de criança e passei a refletir sobre a vida, a buscar estratégias de como resolver as dificuldades e necessidades que assolavam minha família. Com oito anos eu já pensava sobre qual seria minha profissão, a quantidade necessária de dinheiro eu precisaria pra ter uma casa, um carro, ir ao médico, viajar, se alimentar…
Toda dificuldade que passei me fez criar uma ideia fixa de precisar ser o melhor em tudo e assim investi toda minha energia no esporte (natação) e nos estudos. O esporte acabou sendo pra mim uma válvula de escape, e os estudos a única saída pra minha vida.
Eu não vivi o final da minha infância. Eu não tive adolescência. Vejo minha vida como se eu tivesse pulado da infância direto pra fase adulta [choro]. Dói…
Já ouvi de tantas pessoas o quanto minha vida é ótima por eu trabalhar como médico. De fato, financeiramente não tenho problemas algum e essa estabilidade me proporcionou muitas coisas. Com meu emprego eu consegui suprir toda escassez que vivi na vida e também consegui formar uma família mais estável, harmoniosa, “feliz”, mas eu não consigo me sentir feliz…
A escolha da minha profissão tem tudo a ver com a ideia de não conseguir sonhar. Quando eu comecei a terapia me sentia triste no hospital, não via mais sentido no meu dia a dia, embora sabia da importância no que faço pra vida das pessoas. Porém, eu não escolhi ser médico porque essa atividade me enxia de alegria e me motivava, eu fui pra essa profissão pra suprir minhas necessidades financeiras e por isso hoje me sinto desmotivado.
Minha profissão possibilitou construir muito do que nunca tive, mas não me ajuda a me tornar o que eu sou enquanto pessoa, por isso hoje estou tentando entender se isso sou eu, ou se eu me guiei por mentiras criadas por minhas faltas.
Desde o inicio da terapia eu reflito sobre o que penso, sobre meus sentimentos e sobre como desejo ficar. Ainda não consegui organizar muitas ideias. Ainda me sinto a criança que não sonhou e às vezes tenho a sensação de desejar ser colocado no colo pra ser cuidado.
Já falei em terapia o quanto eu me sinto sozinho. Antes, quando eu era adolescente e no início da fase adulta isso parecia não existir porque foco em estudar, adquirir bens materiais, constituir família, etc, me tirava toda possibilidade de refletir. Eu penso que segurei e apoiei todas à minha volta, e hoje me sinto sozinho, indefeso, como disse, querendo apenas ser cuidado por alguém.
É difícil pensar sobre querer voltar a ser criança, ter esse cuidado, ser protegido. Hoje só me preocupo eu deixar meus filhos serem crianças pra poderem ser diferentes de mim… eu desejo que eles possam sonhar…
Nenhum de nossos contos retrata o caso de algum paciente atendido por nós. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurarem terapia/psicoterapia.
Se quiser falar conosco ou se estiver à procura de ajuda para si ou para alguém entre em contato.