Aos 26 anos eu já carregava dentro de mim uma vontade enorme de não viver mais. A vida parecia não ter colorido, eu simplesmente cumpria tabela ao seguir os compromissos e minha agenda diária. Meu nome é Dênis, tenho 32 anos e vou contar pra vocês o motivo de eu ter chegado a esse ponto.
Eu me descobri gay aos 15 anos de idade e isso pra mim foi um grande pesadelo. Não porque eu não me aceito ou não gosto de mim, mas porque eu cresci num ambiente religioso tradicional, preconceituoso e excludente.
Vivendo nesse contexto, desde pequeno eu ouvia que a homossexualidade era pecado e que todos os gays iriam para o inferno. Poucas foram as pessoas que falavam o contrário disso ou que, ao menos, comentavam sobre o assunto de forma mais branda, com um pouco mais de afeto e inclusão.
Você sabe o que é viver tendo a certeza que aquilo que você é é condenado por deus e por todos que você ama? Acredito que você talvez já tenha conhecido alguém que viveu algo parecido. Eu passei parte da minha adolescência com medo enorme de morrer, de não ser perdoado, carregando uma culpa que colocaram em mim. Diante disso, o único sentimento que eu carreguei por anos dentro de mim foi o de inferioridade ou de defectividade, porque eu olhava ao meu redor e via todos perfeitos para “deus” e eu ali reconhecendo o pecado dentro de mim, aceitando cada vez mais sua existência, assim eu passei a me enxergar como a pior pessoa da face da terra.
Por causa desse sentimento e do medo de tudo ruir a minha volta, pois meus pais faziam parte da organização da igreja, eu fingi que nada disso habitava em mim e fui aos poucos me tornando um modelo de religioso, um cara invejado por muitos dentro daquela instituição, inclusive sendo cobiçado por muitas jovens.
Então, com 22 anos eu já tinha aceito minha condição e pensava que minha vida seria mais um capítulo de uma vida qualquer. Eu comprei a ideia pra mim mesmo que viveria como um religioso, em santidade, constituiria uma família tradicional e seria feliz para sempre. Acontece que por obra do destino eu conheci alguém e tudo já organizado dentro de mim passou a ser um prédio preste a ser demolido, gerando medo, me deixando inseguro, e ansioso também… Tudo isso começou quando o Ygor entrou pra mesma instituição que eu frequentava e me virou de cabeça pra baixo.
Sabe aquelas pessoas que desestruturam você? O ygor foi assim comigo. Eu me sentia pequeno diante de alguém gigante. Ele também era gay, mas havia se convertido há poucos meses em outra instituição e começou a frequentar a minha depois. Ele contava com muito orgulho o fato de ter deixado a homossexualidade, confiante de estar “liberto” dessa condição pessoal. Eu via seus comentários com receio e tinha um medo enorme dele perceber minha sexualidade e isso se tornar um problema pra mim, tanto na religião quanto em casa.
Por isso eu cheguei à conclusão que a melhor coisa que eu poderia fazer era me aproximar dele com o intuito de ajudá-lo a construir uma imagem positiva de mim e jamais comentar com outras pessoas sobre minha sexualidade. Ele me via cantando aos domingos, então apesar de a instituição religiosa ser grande, ele sabia quem eu era. Talvez você não saiba, mas parece que existe um brilho nos olhos de quem é gay e a gente acaba se reconhecendo pelo olhar, então eu tinha pavor dele perceber algo.
Ocorre, que depois dessa aproximação eu passei a viver um novo sentimento. Ygor se mostrou ser um cara tão diferente do estereótipo que eu criei na minha cabeça sobre um homem gay, que eu acabei me apaixonando. É, eu passei olhar pra ele e admirar. Eu sentia a vontade de estar com ele, de ouvir sua voz, suas ideias de músicas, suas histórias pré e pós-conversão. Eu me sentia em paz…
Com o tempo meu comportamento passou a me entregar a ponto dele perceber o que estava acontecendo e eu me senti péssimo com tudo aquilo. Ygor não gostou muito da ideia, ele estava convicto de sua “nova vida”, então se manteve fiel aos seus novos preceitos religiosos e minha presença passou a ser vista como tentação ou pecado.
Ele passou a me evitar, eu fui deixado de lado, ignorado e a pior parte foi quando ele contou sobre nós para a liderança religiosa. Quando eu soube dessa conversa entre ele e a liderança tive minha primeira crise de ansiedade e uma vontade sobrenatural de morrer. Me senti traído. Novamente voltei a pensar que eu era um erro.
Desse modo, eu passei a me sentir a pior pessoa da face da terra, me cobrava por pensar nele daquela forma. Pedia perdão repetidas vezes a deus por sentir aquele desejo, porque eu me sentia feito pelo avesso, errado, confuso, deslocado, doentio. Eu queria deixar de existir, eu desejava morrer.
Meus pais quando perceberam que algo não estava legal e também por causa dos sintomas da ansiedade, me indicaram o contado de um psicólogo pra eu fazer uma consulta. Eu comecei o acompanhamento psicológico e já na primeira sessão confessei amar um homem, mas que esse sentimento era um pecado e por isso eu precisava morrer. Eu repeti isso em terapia por um bom tempo. Eu me afastei do Ygor também acreditando que tudo voltaria a ser como antes, mas nada mudou e, aos poucos, eu fui percebendo que minhas crenças religiosas, assim como as do Ygor, nos faziam mais mal que bem, e a partir daí passei a enxergar tudo que estávamos vivendo de outra forma.
Bem, em decorrência desse processo eu comecei um trabalho de aceitação de mim mesmo e compreensão da rejeição que o mundo religioso oferecia a mim . Precisei refletir sobre minha fé. Eu tive que conhecer um deus diferente daquele que eu acreditava seguir. Entendi que o problema não era eu, mas sim as pessoas… Junto disso, dentro de mim cresceu uma vontade imensa de lutar por esse amor que era amaldiçoado por muitos… Viver esse amor era necessário pra eu me tornar quem sou de verdade e a terapia me ajudou a perceber isso e a acreditar na vida, a aceitar as lutas e a me colocar no papel de protagonista da minha própria história.
O resultado de toda minha luta não aconteceu da noite para o dia, ela veio devagar, aos poucos, de acordo com as ideias que fomos descontruindo e avançando dia após dia. Eu e o ygor estamos juntos. Continuamos a seguir a mesma fé, mas hoje de forma um pouco diferente. Nós nos amamos e isso pra mim é o que há de mais importante na nossa vida.
Nenhum de nossos contos retrata o caso de algum paciente atendido por nós. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurarem terapia/psicoterapia.
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