No dia 23 de março de 1977, com apenas 09 anos de idade, eu senti como se meu coração tivesse parado de bater por alguns segundos. Quando vovó deixou cair o telefone na sala e correu pra cozinha, chorando desesperadamente, pressenti que o pior havia acontecido com mamãe. Meu nome é Tânia Regina, tenho 53 anos e vou contar pra vocês um pouco da minha história.
Eu fiquei órfã de mãe quando tinha 09 anos, num momento muito feliz de nossas vidas. Antes de partir, mamãe era professora de biologia em três escolas em nossa cidade (Mocajuba – Pará) e tinha pouco tempo que havia se tornado funcionária pública do Estado do Pará, o que proporcionou uma melhora financeira e de vida bem boa pra gente.
Em nossa casa vivíamos eu, ela e vovó. Brincávamos de nos chamar de “as três mosqueteiras” (risos). Desde pequena sempre estivemos juntas e mamãe lutou como pôde pra melhorar nossa condição de vida. Ela até conseguiu, só não usufruiu muito de tudo. Recordo-me dela prometer levar-me à praia um dia e, posteriormente, quando tive a oportunidade de ir, admirei a beleza do mar pensando em como teria sido maravilhoso viver aquele momento com ela.
Mamãe era uma mulher linda, forte, destemida, inteligentíssima, mas se envolveu com um cara péssimo, parecido com papai, e numa briga entre eles, foi brutalmente agredida a ponto de ter traumatismo craniano. Ela ficou em coma por 60 dias e acabou falecendo. Naquela época, não se falava em feminicídio, mas foi exatamente o que aconteceu: ela foi vítima de feminicídio. Aquele dia foi o pior da minha vida…
Com a partida de mamãe eu fiquei sozinha com vovó, que, depois de algum tempo, mudou bastante de comportamento. Ela não conseguiu superar a perda de sua filha e passou a viver de forma amargurada, como se nada mais tivesse sentido. Acho que ela teve depressão até morrer, porque vovó perdeu o gosto pela vida e se tornou uma mulher triste.
Percebi essa mudança no dia a dia. Aos poucos, ela foi se distanciando de mim, ficando sem paciência, mal falava comigo quando eu retornava da escola. Eu sentia uma necessidade grande de estar próxima dela, afinal de contas, ela era minha única referência de uma pessoa adulta. Meu pai deixou mamãe quando eu tinha um ano de idade, então eu realmente não tinha mesmo ninguém a não ser ela.
No segundo ano da partida de mamãe, vovó me tirou da escola particular e me matriculou na escola pública. Ela dizia que, se mamãe tinha conseguido seguir a vida mesmo estudando em escola pública, eu teria que fazer o mesmo. No fundo eu não entendi nada sobre aquela mudança, a não ser pelo lado negativo de ter perdido todas as minhas amigas. No fundo, parecia que ela estava querendo me castigar.
Depois de mais uns três anos, eu já com doze anos de idade, vovó passou a ter cada vez menos paciência comigo. As brigas se tornaram rotina, tanto de manhã quanto à noite. Cada vez mais eu me sentia sozinha, deslocada, excluída não só da família, mas também da vida. Nessa época comecei a ter pensamentos ruins e uma amiga que morava ao lado de minha casa e era crente, dizia que essas ideias eram coisas do demônio.
Na minha cabeça, existia algo de errado comigo, algo que fazia vovó me tratar daquela forma. Por diversas vezes pensei que ela me odiava por estar viva e não mamãe. Eu passei a viver mais dentro do meu quarto que na própria casa e a cada dia acreditava que o pior iria acontecer comigo.
Ao completar quinze anos, quis uma festa de princesa, mas vovó comprou apenas um frango assado e disse que aquilo era o que eu merecia. Até hoje, não entendi completamente aquela atitude, só sentia e senti que passei a ser odiada por ela e isso me gerou um medo absurdo sobre a vida.
Em decorrência disso, acabei indo parar na terapia e assim compreendendo um pouco o que tem acontecido, porque eu tenho uns pensamentos difíceis de sair de minha cabeça, acredito o tempo todo que estou doente, que algo de ruim vai acontecer. Continuamente espero o pior de todos e tenho pavor de pensar em enlouquecer, perder o controla de minha vida, de sofrer algum acidente, ficar com sequelas de algumas… é angustiante pensar essas coisas, por isso tenho refletido sobre minha vida, entendido melhor minha história e aprendendo a caminhar apesar dessas ideias estranhas e ruins que rondam minha mente…
Nenhum de meus contos retrata o caso de algum paciente atendido por mim. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurarem terapia/psicoterapia.
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