Eu sou Bernard, tenho 26 anos, e vou contar pra vocês o motivo de eu ter iniciado terapia.
Eu tive uma irmã que desde a adolescência era meio antissocial. Era uma menina bonita, mas vivia amargurada, sempre encarava tudo de modo pessimista, nunca tinha vontade de fazer nada e não tinha sonhos para o futuro. Desde que eu me entendo por gente via a Rosângela assim, sinceramente só a vi sorrindo uma única vez.
Nós temos uma diferença de idade de nove anos, então, quando ela estava com dezenove eu estava com dez. Sempre nos relacionamos bem, conversávamos sobre muitas coisas, mas ela nunca tinha motivação pra nada, principalmente para sair de casa, para interagir com outras pessoas, fazer amizades, etc. Lembro que na escola ela era tida como estranha. Cansei de ver alguns colegas zoando ela na hora do recreio. Eu ficava triste de vê-la passando por aquilo, mas não fazia nada por medo de apanhar dos colegas da classe dela.
Quando completou dezenove anos parece que seu jeito piorou. Ela tinha terminado o ensino médio e não queria ingressar na faculdade, assim passou a ficar dia e noite em casa, a maioria das vezes à toa, pensando sei lá em quê. Na parte da manhã ela varria a casa e fazia o almoço, nada além disso, e cumpria essas tarefas porque era obrigada pra evitar brigas com nossa mãe. Uma vez eu puxei uma conversa pra entender o porquê de ela estar sempre desanimada, mas me disse que não sabia exatamente, falou apenas que se sentia sozinha e achava tudo desinteressante.
Meus pais eram extremamente insatisfeitos com o jeito dela. Eles brigavam direto e falavam isso pra ela sem dor, o que a deixava muito mal e por causa desses conflitos cada vez mais a Rosângela piorava.
Uma tia nossa sugeriu à minha mãe levá-la ao psicólogo e a um psiquiatra, mas meus pais sempre acharam isso uma frescura e repetiam dia após dia: “a vida vai ensiná-la da pior maneira possível”. Apesar disso a levaram uma vez, porém foram primeiro num médico que deu o diagnóstico de depressão severa. Meus pais se chatearam com esse diagnóstico, não concordaram e não a deixaram retornar pra se consultar.
Naquela época, mesmo eu tendo apenas dez anos sabia que tinha alguma coisa de errado com a Rosângela, eu percebia que ela precisava de ajuda, porque isso era nítido. Mas eu era uma criança, não podia fazer nada. Eu fiquei triste durante anos por isso…
A única vez que eu vi a Rosângela feliz foi na semana de seu aniversário de vinte anos. Ao certo, até hoje não sabemos o que aconteceu, só lembro que no dia do seu aniversário ela acordou diferente, pediu minha mãe para levá-la ao salão de cabelereiro, se arrumou, pediu roupas de presente, todo mundo estranhou aquilo. Por uma semana ela parecia outra pessoa, curtiu festas com nossas primas e no última dia chegou em casa bêbada, o que foi o estopim para uma nova briga entre ela e minha mãe.
Elas se atacarem fisicamente, a Rosângela acusou minha mãe de ser ausente na vida dela, disse não se sentir amada, e muitas outras coisas. Nesse dia eu chorei no meu quarto ouvindo tudo aquilo. Enquanto elas brigavam eu rezava pros ânimos se acalmarem. Estávamos só nós três em casa porque meu pai trabalha à noite.
Depois que a briga passou eu vi a Rosângela com um caderno na mesa da cozinha. Percebi que ela escrevia algo, mas não sabia do que se tratava. Depois ela veio até meu quarto, me deu um beijo e me pediu desculpe por ela ser daquele jeito, saiu e eu só lembro de ouvir a porta bater. Eu estranhei essa atitude dela, fiquei com medo e acordei minha mãe pra saber o que estava acontecendo, mas novamente minha mãe disse que a vida a ensinaria, porque ela precisava parar de palhaçada pois “depressão é frescura”.
Esse foi o última dia que eu vi minha irmã. A Rosângela partiu desse mundo, nunca mais voltou pra casa e eu guardo no peito uma dor sem fim por a ter pedido para a depressão.
Nenhum de nossos contos retrata o caso de algum paciente atendido por nós. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurarem terapia/psicoterapia.
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