– “Cê tá de sacanagem né, Iza? Me ligar às 04h da manhã pra mostrar coisa de trabalho… Poha! Que noção zero você tem… Você virou uma TARADA nesse trabalho. Tchau”.
– Poxa…
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O Renan também é assessor de vendas e nós temos a mesma função na empresa. Essa foi a resposta dele depois de uma chamada de vídeo que fiz às 04h da manhã. Eu estava só animada com as imagens que tinha criado no aplicativo e queria mostrar…
Bem, eu sou assim, intensa em tudo, mas no trabalho sempre fui muito mais. Ou pelo menos era… Me chamo Iza, tenho 34 anos, e vou contar pra vocês como era minha vida até mais ou menos março de 2021.
Sabe, a vida do crente não é fácil… Eu vivo num corre terrível fazendo mil e uma atividades, vivendo da graça e do sobrenatural de Deus, porque se dependesse só de mim eu estava frita. Mas, apesar disso, as mudanças dos últimos tempos me devolveram a esperança de que ainda é possível viver momentos melhores, e aqui estou.
Em julho de 2020, minha vida estava caótica por vários motivos, incluindo meu trabalho. Mas como sempre, me virei nos trinta, fiz o impossível com a ajuda de Deus e deu tudo certo; consegui dar uma virada de chave na minha produção e alcançar a meta estabelecida. Pra Deus, nada é impossível. A Ele toda glória, toda honra e todo louvor.
Mas confesso que, para conseguir isso, tive que viver um caos sobrenatural e cheguei a um ponto em que não conseguia mais dormir à noite. O pior de tudo não foi perder o sono, pois isso era algo que eu precisava resolver comigo mesma; o pior mesmo foi perder a noção das coisas e a perturbar amigos de madrugada, como o Renan disse.
Lembro que naquele dia da ligação, eu acordei num corre só e, desde a saída de casa até as primeiras atividades na empresa, estava tão acelerada, mas tão acelerada, conseguindo fazer tantas coisas ao mesmo tempo, que nem parecia ser eu. Digo isso porque sentia que minha mente trabalhava numa velocidade diferente, de tão agitada que eu estava.
Na hora do almoço também não foi diferente. A reunião que eu tinha agendado com um cliente me deixou pilhada, e o trajeto até o restaurante foi feito meio que na velocidade da luz. Eu quase atropelei uma velhinha na faixa de pedestre. Que horror lembrar disso… Que Deus me perdoe um dia rs.
Muita da minha agitação naquele dia era devido à essa reunião; ela era para mim como uma “tábua de salvação”. Há três meses, não conseguia bater metas de vendas e precisava reverter o quadro para acalmar meu chefe, que já me ameaçava de demissão. Então, eu estava literalmente uma pilha só.
No restaurante, o “Giuseppe Grill”, aquele que fica na Avenida Bartolomeu Mitre, no Leblon–RJ, fiz meu pedido e logo abri o notebook para responder os e-mails que estavam na caixa de entrada. Quando a comida chegou, pedi ao garçom para colocar ao lado do notebook e fiquei lá por alguns minutos dando uma garfada e teclando. As pessoas ao redor me olhavam com cara de espanto porque minha digitação era forte e fazia barulho. Veja, a agitação da minha vida era tão grande que já tinha me feito perder até a noção da força que fazia pra digitar. E, sobre os olhares daquelas pessoas, eu só pensava que elas eram um bando de desocupadas que nunca me entenderiam.
Nessa época, fazer uma coisa de cada vez era vida de princesa pra mim, porque no meu dia a dia eu fazia duas, três, quatro, cinco, ou sei lá mais quantas atividades ao mesmo tempo. Para você ter uma noção, eu lia e-mail até no banheiro, isso virou uma rotina por um tempo, era meu normal, sabe.
Voltando ao almoço, assim que terminei, guardei minhas coisas, incluindo o notebook, e fiz o caminho de volta até o escritório para pegar meus cartões, alguns documentos pessoais e um Uber, o mais rápido possível. E foi isso que fiz. Entrei no escritório correndo, peguei o que precisava, coloquei um chiclete na boca e corri para o elevador.
Nesse momento, o motorista do Uber já estava na porta e insistentemente mandava mensagens avisando. Toda essa agitação me deixava mais ansiosa ainda e também preocupada com a reunião que estava por vir. Sabe, minha renda depende das comissões que recebo com as vendas. Quando não consigo bater as metas, além de meu salário ser muito abaixo do necessário, sofro pressão do meu chefe, que ameaça me demitir. Então, eu precisava conduzir bem a reunião pra mudar meus números e garantir meu salário e meu emprego.
Mas, naquela época, além dessa dificuldade no trabalho, também estava brigada com o Willian, meu namorado. Parece até coisa de outro mundo, que nem sei explicar, mas quando um problema surge, outros milhares vêm juntos. Acho que isso é coisa do diabo, só pode. Ele faz essas coisas para nos tirar da graça. E, para piorar tudo, tudo mesmo, além desses dois problemões, também estava preocupada com a possibilidade de estar com câncer no útero, e aguardava o resultado de alguns exames que fiz.
Veja, você já pode imaginar como estava minha cabeça… Só Jesus pra me ajudar naquele época. Meu corpo quase andava sozinho na rua, porque minha cabeça não conseguia mais acompanhar. Eu ia para o trabalho pensando nas metas, no meio do trabalho eu lembrava do Willian, quando marcava de encontrar o Willian lembrava dos meus exames, e tudo isso misturado na minha cabeça estava me sufocando e me deixando sem energia. Eu não estava era dando conta de mais nada.
No trabalho, meu chefe parecia disposto a tirar o pouco de paz que me restava. Mesmo sabendo de boa parte de tudo que estava acontecendo, com exceção das brigas com Willian, ele não se importava ou fingia não se importar para não ter que me dar uma colher de chá. Isso me fazia trabalhar em dobro porque eu sou bastante competitiva e perfeccionista, então me sentia desafiada a dar conta mesmo estando naquela situação de dificuldade em todos os sentidos.
Foi assim, meio perdida na vida, exausta com tudo, com insônia, sem noção de hora, preocupada comigo e com várias outras coisas, que eu acabei passando uma noite inteira criando imagens para postar nas redes de vendas e depois fiz a tal chamada de vídeo com o Renan às 04h da manhã. Depois de levar um fora dele, fui dormir até sem tomar banho e às 07 já estava de pé, indo para empresa e ficando nela até às 21h.
Fiquei nesse ritmo por mais quatro meses e assim consegui recuperar minhas vendas e voltei a ter o salário desejado. Meu chefe também saiu da minha cola. Tive mais algumas discussões com Willian porque ele não entendeu minha ausência naquele momento, mas pelo menos os exames deram negativo para o câncer.
Além disso, depois desses quatro meses correndo contra o tempo e tentando dar conta de coisas que só Deus conseguiria, passei a sentir mais insônia e uma dor de cabeça a ponto de ter que tomar remédios todos os dias. Se a farmácia Paschoal tivesse um cartão fidelidade, eu tinha feito um apenas pra garantir o desconto nas compras pois virei cliente fiel deles de tanto remédios para dor de cabeça e insônia. E esses foram os primeiros sintomas que eu apresentei quando comecei a desenvolver a tal da Síndrome de Burnout.
Com o tempo, além da insônia e da dor de cabeça, passei a ter também dificuldades de concentração, perdi peso pela falta de apetite, sentia um cansaço devastador, me via como um fracasso na vida, com vontade de ficar sozinha, e em muitos momentos sem vontade de viver. Tudo isso foi chegando aos poucos, de forma que nem percebi, até que me vi péssima e sem vontade alguma de trabalhar e fazer atividades pessoais.
Quando finalmente percebi, meus resultados estavam péssimos e eu também seguia nessa mesma linha. Assim, acabei tendo que procurar ajuda profissional para conseguir lidar com tudo que estava passando. Foi difícil aceitar que eu estava tarada pelo trabalho e o quanto isso só me fazia mal.
Antes de minha vida ficar assim, de não conseguir mais encontrar alegria nas coisas e me sentir exausta em todos os sentidos, eu gostava de terminar meu trabalho cedo, trocar de roupa, colocar meu chapéu e passear pela areia da praia do Leblon. Eu conseguia viver, sentir a beleza do dia, o frescor do vento. Tudo fazia sentido.
Demorei aceitar o lugar de destaque que dava para o trabalho na minha vida. Tive que aprender a lidar com as metas de outra forma e a ressignificar a visão que desenvolvi ao longo do tempo sobre produtividade e sobre mim mesma. Precisei encarar meus medos e muitos dos pensamentos estranhos que tinha sobre mim mesma.
Na terapia, precisei voltar ao meu passado para entender quem eu sou hoje. Foi necessário falar comigo mesma na infância para perceber o quanto eu não aceitava ficar na média e o tanto que eu me esforçava para me sentir forte e seguir em frente. Verdadeiramente, precisei chegar ao fundo do poço pra enxerga uma luz distante de mim, mas que me dava um ponto de esperança. Tive que perceber aos poucos o quanto era importante dar conta, que precisava alcançar e mostrar meus resultados para me sentir aceita. Talvez até mesmo para me aceitar…
E hoje tenho me esforçado pra viver mais a minha vida, a minha vida de verdade. Hoje eu quero perceber quem sou, entender melhor meus pensamentos, e me prender menos ao que eu faço enquanto profissional. Afinal de contas, com trabalho ou sem trabalho, batendo metas ou não, eu serei sempre a Iza. E assim estou tomando posse dessa ideia na minha vida e isso me ajuda a não perder as esperanças de viver.
Se cuide!
Nenhum de meus contos retrata o caso de algum paciente atendido por mim. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurarem psicoterapia.
Se quiser falar comigo ou se estiver à procura de ajuda para si ou para alguém, entre em contato.