Estou escrevendo o capítulo de um livro que abordará a temática “Masculinidades”. Meu objetivo será discutir o machismo e o ambiente de trabalho, visto haver correlação entre o comportamento machista, o sofrimento e a consequente hierarquização nas empresas. Mas, este não é o tema desta reflexão, quero aproveitar o momento pra falar sobre o homem, sobre o sofrimento do homem, pois vivemos numa época em que apenas o lado negativo da masculinidade é posta em evidência, mas homem é gente, por isso também sofre.
Hoje é muito comum encontrarmos pesquisas científicas, reportagens e programas jornalísticos narrando os problemas acarretados pela masculinidade tóxica. Eu, particularmente, acredito em todos esses dados e informações, penso que vivemos sim numa sociedade patriarcal e que tudo gira em torno disso, e que a mulher sofre impacto desse mundo, transformando sua luta diária em um luta por sobrevivência às vezes. No entanto, tudo o que falam de negativo sobre a figura masculina deve ser compreendido também como um “estereótipo”, visto colocar todos os homens numa mesma forma e isso é um tanto prejudicial também, principalmente aos homens.
Alguns meses atrás quando eu toquei neste assunto com alguns conhecidos fui questionado sobre minha fala como se eu estivesse querendo abafar as mazelas que o machismo acarreta na sociedade e aqui eu esclareço e reforço meu posicionamento: Eu acredito que a sociedade se estrutura pelo viés do patriarcado e isso é prejudicial em muitas instâncias, portanto nenhum discurso que pretende narrar comportamentos disfuncionais do patriarcado deve ser invalidado, pelo contrário, deve ser enaltecido e compartilhado. Isso pra mim é uma premissa e reconheço vários grupos sendo vítimas desse universo machista como as mulheres, os homossexuais, a população negra, etc., para mim todas elas experimentam influência negativa do machismo em alguma intensidade.
Todavia, eu quero trazer à tona neste texto algo que vivencio no consultório. Homens sofrem. Você pode não acreditar, mas eles sofrem e sofrem muito. E o mais interessante é que tal sofrimento ocorre por questões envolvendo a manutenção de comportamentos disfuncionais muito presente no estereótipo da masculinidade problemática, ou seja, o machismo. De modo geral, o homem machista é visto como alguém que se comporta como sendo superior à mulher, é muitas vezes agressivo e rude, sexualizado, infiel, frio emocionalmente, etc. (isso é um rótulo porque nem todo o machista se manifesta assim). E no consultório os temas que chegam para terapia envolvem sofrimento nos relacionamentos amorosos, nos problemas com a família, na violência psicológica praticada pela companheira (o), na pressão em ter que ser “ser Homem”, na frustração por não conseguir crescer profissionalmente, por não poder expressar sentimentos, etc.
Então eu estou aqui pra enfatizar que homem sofre. Sim, porque por mais incrível que pareça eles têm sentimentos, e estão aí nessa vida sendo tocados e afetados por muitos problemas que assolam também as mulheres.
No consultório, normalmente, eles chegam muito tímidos, escondem ao máximo suas questões pessoais, e só se abrem quando confiam de verdade no terapeuta. Na minha experiência clínica quando atendo pacientes homens me sinto como se estivesse pisando em ovos o tempo todo, porque não posso avançar o sinal nas intervenções (confrontação empática por exemplo) ou transmitir qualquer tipo de insegurança que eles logo se manifestam contrários a permanência em terapia. Todo início é sempre calculado e organizado para não dar nada errado. Quando a relação de confiança se estabelece tudo se torna mais simples.
Todo movimento que simboliza exposição de vulnerabilidade é enfrentado por eles de forma desadaptativa, ou seja, reagem negativamente de modo a preservar sua estrutura (conteúdos inconscientes). Assim, o primeiro obstáculo é estabelecer a relação pra diminuir essas reações que atrapalham a construção da terapia. De modo geral, sinto que eles sempre vêem as sessões com estranheza e descrédito e só depois de algum tempo desabrocham.
Percebo de forma acentuada que as demandas envolvem muitas crenças de vulnerabilidade, privação emocional, abandono, fracasso, autocontrole e autodisciplina insuficiente, padrões inflexíveis, reconhecimento e caráter punitivo. Muitos chegam aqui por não se sentirem compreendidos, outros pela pressão em resultados, outros por estarem perdendo a família ou filhos, outros por problemas financeiros, outros por comportamentos disfuncionais, outros por não conseguirem expressar seus sentimentos, outros por causa da ansiedade ou depressão, ou porque estão com “problemas no sexo”, etc.
Eles procuram ajuda porque sofrem, e mesmo que não procurem sempre sinalizam de alguma forma que precisam de ajuda por meio de comportamentos disfuncionais, como o agressivo por exemplo. Eles sofrem porque são humanos, porquanto vivem nesse mundo complexo e de luta diária, e sofrem também por sua própria estrutura, a masculinidade.
É interessante a gente pensar que nenhum homem nasce machista e de tanto a gente ouvir sobre o machismo parece que isso não é verdade. Que louco pensar assim não! Mas é isso mesmo, homem não nasce machista, na verdade esse comportamento é imputado nele ao longo de seu desenvolvimento. Não quero aqui discutir normatização biológica sobre gênero, apenas enfatizo que o “ser homem” também passa por um atravessamento social ensinado diariamente a todos que nasceram com o sexo biológico masculino e, por isso, da mesma forma que se estruturou como sendo um homem machista pode ser desconstruído num processo de reaprendizagem sobre o que é ser homem e o que é a masculinidade, perfazendo a concepção da existência de “masculinidades” no plural.
Então, o primeiro passo para mudarmos a constituição do que é “ser homem” é através do reconhecimento e reestruturação de crenças sobre comportamentos masculinos e machistas e, consequentemente também, aceitar que o homem é um ser de estrutura psicológica e emocional que precisa tornar-se consciente para melhor conviver em sociedade. Historicamente os homens têm se refugiado em seu mundo interior, vivendo tudo o que isso proporciona sem ajuda de alguém para melhor compreensão de seus sentimentos, pensamentos e comportamentos, e talvez a conseqüência desse abafamento psicológico (emocional) pode ser esses padrões de comportamentos machistas.
Quero deixar clara a concepção plural da ideia de masculinidades porque é por se compreender um modelo único de masculinidade que colocamos todos os homens dentro de um estereótipo e isso provoca sofrimento. Quando o homem cresce achando que precisa “ser Homem com H maiúsculo” ele já perde a possibilidade de se perceber subjetivamente e ou vivenciar outras formas de masculinidades saudáveis para ele e para a convivência em sociedade. Então, de forma maciça, o que sobra é essa “masculinidade tóxica”, prejudicial à mulher, prejudicial ao próprio homem que não pode pensar em ser diferente, expressar sentimentos e emoções, adoecedora inclusive.
A masculinidade é tão importante para o equilíbrio social quanto a feminilidade, a gente precisa refletir sobre isso. Esses papéis não desaparecerão porque passarão por desconstruções, pelo contrário, eles podem ser lapidados para melhor compor a vida.
Para finalizar e concluir a ideia central do texto, enfatizo: Homem sofre e precisamos refletir sobre as masculinidades atuais pra ajudar muitos desses homens a terem opção de se c
onstituírem de forma diferente, de modo a se tornarem adultos mais saudáveis para o outro, mas acima de tudo, para si mesmo. Não esqueça: É coisa de homem pensar sobre o que é “Ser Homem”.
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