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Eu sou Paulo Ricardo, tenho 31 anos e trabalho como coordenador de uma central de atendimento. Me considero um cara calmo e calmo até demais. Na verdade, desde pequeno, eu sempre me sentia diferente das outras pessoas, tanto dos meninos quanto das meninas, sem distinção, sempre me pegava pensando em coisas que não ouvia ninguém da minha idade comentar. Na adolescência, isso ficou mais evidente e, consequentemente, cada vez mais fui me tornando solitário. A sensação era de que por mais que eu entendesse a motivação das pessoas ao meu redor pra gostar do que elas gostavam ou faziam, eu sentia e pensava diferente e a motivação para estar com elas, se enturmar, era sempre nula. Enquanto meus amigos queriam ver filme de ação, eu queria ver filme de terror. Enquanto a maioria dos meus amigos queria ser médico, eu falava em ser astronauta. Eu estava sendo sempre “do contra”….Estranho né? rs… Essa estranheza toda aos poucos foi dando lugar à um adulto típico “normal”, desses que ninguém olha e se interessa de tão comum.

Eu trabalho há 10 anos na mesma empresa, desses 10 anos, 6 em cargo de chefia e, por viver de forma bem-sucedida a minha vida profissional, nunca pensei em investir tempo em mim, em me conhecer de verdade. Mas, em 2018, mais precisamente no dia 26 de setembro de 2018, tudo mudou na minha vida. Eu que fazia uma corridinha todo dia às 06h manhã antes de ir pro trabalho, naquele dia abri o Facebook e dei de cara uma postagem dizendo que alguém conhecido havia morrido. Logo após a leitura eu caí na gargalhada, eu estava na sala da minha casa e eu ria muito mesmo, era muita felicidade. Saí do portão pra correr relendo a notícia e a cada frase eu ria mais, estranhando, claro, essa reação, mas não conseguia me controlar, até que de repente meu mundo caiu.

Me dei conta do porque eu estava tão feliz, naquele exato momento minha consciência me levou ao passado, a um passado distante ao qual eu já nem sabia que existia, num dia ensolarado, numa casa grande com piscina e quintal gramado, junto desse vizinho que faleceu. Lembrei no meio da rua começando a caminhar que eu havia sido abusado sexualmente por esse vizinho que era mais velho que eu uns 8 anos e, por isso, estava tão feliz com a morte dele. Confesso que essa lembrança havia sido apagada da minha mente e minha estranheza diante da felicidade da morte dele me fez recordar. Rir da morte de alguém não é algo comum… eu nunca tinha feito isso na vida… foi uma experiência de dor… Descontrolada… Foi uma lembrança difícil. 

Reconstruindo as imagens do ocorrido eu chorei na rua. Tentei respirar calmamente pra parar de chorar, mas não consegui. Naquele momento eu parei, encostei num poste e deixei as lágrimas rolarem. As imagens reconstruídas me fizeram sentir a mesma dor do dia. Lembro que um medo imenso tomou conta de mim logo após eu ter conseguido fugir daquele lugar e também por não saber se deveria contar para meus pais. A vergonha de imaginar o que iriam pensar de mim ao saberem daquilo. A sensação de desespero de talvez encontrar com ele na rua. A dor física… Foi horrível.

Esse dia eu hoje chamo de “dia da alegria e do ódio” porque nunca senti dois sentimentos diferentes com tanta intensidade ao mesmo tempo. Experimentei a alegria de saber que ele teve um fim, de que eu fui vingado com a morte dele, de que esse segredo morreria comigo pra sempre. Mas senti ódio por aquilo ter marcado a minha vida como uma experiência tão esdrúxula, eu se quer sabia direito o que era sexo naquela época.

Depois desse dia fatídico eu passei a recordar dessa experiência por pelo menos uma vez na semana. E todas as vezes que as imagens vinham à mente eram sempre na hora de dormir. Aquilo me atormentava e eu comecei a pensar que precisava contar pra alguém. Eu tinha a necessidade de chorar com alguém pra poder dizer o que aconteceu. Com o tempo eu comecei a sentir que guardar esse segredo comigo era a mesma coisa que me permitir ir pra cova com aquele cara porque eu estava morrendo por dentro toda vez que aquelas imagens surgiam na minha mente. Mas eu não confiava em ninguém… 

Foi assim que eu cheguei no consultório de um psicólogo. Marquei com um profissional encontrado pela internet, porque eu jamais conversaria com alguém conhecido de alguma pessoa próxima. Fui no psicólogo mais distante que eu encontrei e lá comecei minha empreitada de colocar pra fora minha história de “alegria e ódio”. Demorei certo tempo pra me abrir com ele. As vezes eu ia pra consulta sem saber o que falar e repetia coisas banais, como os acontecimentos da semana, o que pensava sobre vida de artistas, minhas conquistas profissionais, etc. Quando verdadeiramente eu me abri tirei uma pedra da costa. Deixei de carregar aquele peso e dor. Deixei aquele imagem partir pra um novo lugar na minha vida, um lugar que não me desestruturava mais. Foi assim que comecei a me sentir melhor. Hoje eu ainda sinto quando ouço relatos de abusos, mas não fico descompensado como antes. Hoje eu sinto, mas não sofro na mesma intensidade. Pra isso eu precisei falar… tive que ruminar algumas ideias, deixar as emoções virem pra meu coração se acalmar. Aprendi novas atividades, me apaixonei pelo skate e a praia, vivo com mais intensidade e mais leveza, foi uma grande experiência ter podido falar.

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Nenhum de nossos contos retrata o caso de algum paciente atendido por nós. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurarem terapia/psicoterapia.

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Maicon Moreira
Maicon Moreira
Psicólogo Clínico (CRP 05/54280), Especialista em Psicoterapia Cognitiva e Doutor em Psicologia pela UFRRJ. Atua como Terapeuta Cognitivo comportamental e Junguiano. Tem formação em Terapia Cognitiva, Terapia do Esquema, e Terapia da Aceitação e Compromisso. Tem interesse nos seguintes temas: Psicoterapia Cognitiva, Psicologia Analítica, Violência Psicológica, Saúde Mental e Autoconhecimento, Memória Social, História da psicoterapia e Formação do Masculino.

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