Uma história sobre ficar ansioso por seguir os próprios valores.

Uma história sobre se planejar para fugir de um casamento.
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Imagem do site pixabay.com

Eu me chamo Hudson, tenho 32 anos, sou solteiro, porém namorando, e vou contar pra vocês o que me levou à terapia em 2015.

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Tudo começou em 2014 quando eu fiquei desempregado e o Brasil parecia estar começando a pegar fogo. A vida estava assim, a gente ligava a TV e lá estava o William Bonner ou outro repórter falando de mais um caso de corrupção, de mais uma manifestação nas principais avenidas do país ou do aumento de preço de tudo. Nada parecia fácil pro brasileiro e a cada dia o medo tomava conta da gente por não entendermos ao certo o que nos esperava. Pelo menos era assim que eu via os acontecimentos naquela época e inconscientemente pensava em alternativas pra viver um pouco mais tranquilo.

Sabe, meus avós por parte de mãe são portugueses, por isso desde pequeno ouvi história sobre Portugal, eles sempre contaram como era gostoso e seguro viver na cidade de onde eles vieram e assim me incentivavam a conhecer e talvez um dia passar um tempo por lá. De tanto ouvir esses relatos, de perceber a situação em que o Brasil estava se enfiando com a crise política que eclodia aos nossos olhos e por estar completamente desanimado em vivenciá-la na pele, eu comecei a cogitar a possibilidade em me aventurar pelo mundo e Portugal seria um dos primeiros destinos.

Pois bem, passado alguns dias de minha demissão em 2014 eu decidi que seria interessante viver algum tempo fora do Brasil. Mas morar em Portugal nunca foi um sonho pra mim, e isso é uma verdade, apesar de todos os incentivos dos meus avós. De qualquer forma,  mesmo não sendo o melhor país da Europa ele fica na Europa rs… então você já sabe né, todo lugar é melhor que o Brasil rs. Claro que existem os que discordam disso e está tudo bem.

Free photos of PortugalEu não vim sozinho pra Portugal, eu vim com a Mayara, e em 2014 a gente já estava namorando há três anos. Quando eu decidi que iria sair do Brasil o primeiro receio que tive foi exatamente como resolver as coisas com ela. Claro que meu desejo era continuar tudo como estava, mas ao mesmo tempo eu precisava respirar novos ares. Assim, eu dividi com ela minhas ideias e a convidei pra fazer essa mudança comigo.

Olha, não foi uma decisão fácil, porque minha família sabia que eu vinha com ela pra cá e eles são demasiadamente tradicionais, então queriam mesmo que viéssemos casados e eu desejava só viver junto. Quando conversamos expliquei tudo isso e ela entendeu e aceitou se aventurar comigo. Mas confesso que, apesar de não ter sido um pedido de casamento, hoje eu penso que foi algo muito semelhante porque, afinal de contas, a gente acabou passando a viver como se estivéssemos casados e assim seguimos.

Assim que nos entendemos quanto a isso decidimos que a mudança ocorreria no início de 2015.  A ideia era procurar emprego logo que chegássemos porque não trouxemos muito dinheiro e eu sabia que rapidamente ele seria consumido porque o custo de vida aqui é em euro. Eu me preocupava com essa parte financeira.

A gente chegou em Portugal bastante animado e confiante de que tudo daria certo. Infelizmente, as coisas não aconteceram exatamente como imaginamos. Logo depois de um mês começamos a maratona em busca de emprego e não encontramos nada, pelo menos não conforme pensamos que conseguiríamos. Eu até achei alguns trabalhos informais, mas com o retorno financeiro bem baixo. Vim ciente de que trabalharia em atividades diferente de minha formação (contabilidade), porém em minha inocência ainda pensava que talvez ela servisse pelo menos para ser visto com bons olhos. Foi ilusão total.

Daí em diante não tinha um dia em que eu não pensasse que o projeto estava dando errado e que o retorno ao Brasil era inevitável. Quando estávamos pra fazer um ano lá e ainda estando na mesma situação sem trabalho, a grana começou a faltar e eu já precisava pedir ajuda aos meus pais no Brasil. O dinheiro que eu levei cobriu as despesas até mais ou menos uns oito meses e depois as dívidas começaram acumular.

Free photos of PocketsE foi assim, em meio a essa preocupação, desânimo e problemas financeiros que a Mayara veio com a ideia de criarmos um canal no YouTube e um perfil no Instagram pra começarmos a vender a ideia de morar fora para os brasileiros. Ou seja, ela propôs a gente começar a trabalhar como digital influencer 🙁

Eu entendi a proposta dela, mas havia um problema grande: Eu sou tímido, nunca gostei de fazer vídeos, stories, essas coisas, então da noite para o dia passar a fazer isso como meio de sobrevivência me pareceu estranho e difícil. Depois, eu não conseguia imaginar o que postar, afinal de contas eu estava passando perrengue lá, algumas coisas na época eu não falava nem para meus pais pra não preocupá-los, imagina ter que enfatizar uma vida que eu não vivia num ambiente em que o mundo tinha acesso. Eu sempre pensava que iria convidar as pessoas pra passar dificuldades em outro pais. Sinceramente me senti mal com a ideia

Bem, a Mayara conseguiu me convencer, ela sempre conseguia. E assim iniciamos nosso trabalho nas redes. Logo que começamos os amigos no Brasil foram nosso pontapé inicial e deles novos seguidores foram chegando. Num espaço de tempo bem curto o número de pessoas nos seguindo cresceu assustadoramente. Em três meses no Instagram a gente conseguiu reunir mais de cinquenta mil pessoas na página. Era muita gente interagindo, mandando mensagem, querendo tirar dúvidas e claro, pagando por essas coisas.

Era uma atividade muito cansativa… A todo momento a gente tinha que pensar em postar algo ou criar um texto, uma imagem, um vídeo, etc. para movimentar a página. No entanto, apesar de cansativo, pelo menos com esse trabalho a gente conseguiu pagar as contas básicas, tipo aluguel e mercado e isso nos ajudou a dar uma respirada. O problema é que montante que entrava não era significativo e, consequentemente a gente não conseguiu mudar muita a realidade de vida, então, infelizmente a gente vivia uma farsa completa.

Praticamente todos os dias a gente saia de casa pra gravar os vídeos em lugares mais bonitos que a nossa casa. A gente sempre tinha que ir em praças, parques, nas ruas mais bonitas, e tudo isso pra impressionar os seguidores. A gente visitava os lugares turísticos e gravava vários vídeos trocando de roupa, de óculos, de maquiagem, só pra poder ter conteúdo pra postar em dias diferentes.

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Nossa realidade se tornou uma maratona que parecia não acabar. Eu percebia que apesar da dificuldade e do cansaço a Mayara gostava daquelas atividades, ela se sentia bem com a interação, com as perguntas das pessoas e com essa visibilidade toda. Eu odiava, na verdade, odiava…

Bem, depois de cinco meses de exposição e já percebendo que as coisas não evoluíam como esperado, chamei ela pra conversar e disse que não queria mais aparecer nas redes. Eu estava cansado de ter que fazer stories e ficar narrando meu dia a dia, gravar vídeos e editar e ficar falando de uma vida irreal pra mim. Realmente eu não curtia aquilo.

Mayara não gostou da minha decisão. Ela insistiu, inclusive, explicou os motivos e pediu mais tempo para ver se aumentava o engajamento e a receita também. Eu acabei cedendo, como sempre cedo a tudo e a todos, mas disse que daria somente mais dois meses e se nada mudasse eu voltaria a pensar sobre o que fazer.

Passado os dois meses e sem nenhum alteração significativa e ainda mantendo aquela vida de farsa, enfim eu decidi sair do jogo. Lembro que eu acordei, avisei a Mayara e comuniquei as redes através de stories e de um vídeo no canal do YouTube. Muitas pessoas não entenderam, até a família mandou mensagem achando que a gente estava em crise na relação, enfim, houve um rebuliço inesperado. A Mayara ficou chateada, demonstrou isso pra mim, mas não tinha muito o que fazer. Ela decidiu continuar com o projeto por contra própria e eu decidi votar a procurar emprego.

Sabe, nada dava mais pra continuar fazendo aquilo. Eu me sentia ferindo meus valores pessoais ao enganar as pessoas sobre uma vida perfeita que não existia. Mesmo sabendo das condições financeiras favoráveis para muitas das pessoas que nos pediam assessoria, sabendo portanto que a experiência delas podia ser diferente, ainda assim eu não me sentia limpo com elas, porque quase cem por cento de minhas postagens eram falsas. Acho que esse incômodo tem a ver com meus valores, é isso.

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Diferentemente de quando procurei emprego pela primeira vez, nesta segunda eu consegui rápido um trampo de garçom num restaurante fino da zona turística da cidade onde estávamos. Eu fiquei muito feliz com a oportunidade e comecei com todo gás. Mas, infelizmente a energia não durou muito tempo por uma questão: o salário era baixo e não me ajudava a cobrir todos os gastos. Com isso, passei a brigar com mais frequência com Mayara porque ela insistia que eu devia voltar pras redes e eu não aceitava aquilo, desejava continuar anônimo.

Assim, diante dessa pressa por resolver os problemas financeiros, o conflito com a Mayara, e o medo de não conseguir me manter e ter que retornar ao Brasil, passei aos poucos a não dormir direito, a ficar com o coração acelerado e agitado como um todo, e por isso acabei procurando um psicólogo pra me ajudar a entender o que estava se passando, pra me ajudar com a ansiedade. Assim eu cheguei a terapia…

Ao todo foram dois anos de acompanhamento e lá eu pude entender minha realidade de outra forma, aprendi a lidar com meus sentimentos e a resolver os conflitos que surgiam. Além disso, entendi melhor os meus valores e até resignifiquei alguns. Foi um tempo bom pra me conhecer e pra tornar minha vida uma experiência mais saudável.

 

Nenhum de meus contos retrata o caso de algum paciente atendido por mim. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurar terapia/psicoterapia.

Se quiser falar comigo ou se estiver à procura de ajuda para si ou para alguém entre em contato.

Maicon Moreira
Maicon Moreira
Psicólogo Clínico (CRP 05/54280), Especialista em Psicoterapia Cognitiva e Doutor em Psicologia pela UFRRJ. Atua como Terapeuta Cognitivo comportamental e Junguiano. Tem formação em Terapia Cognitiva, Terapia do Esquema, e Terapia da Aceitação e Compromisso. Tem interesse nos seguintes temas: Psicoterapia Cognitiva, Psicologia Analítica, Violência Psicológica, Saúde Mental e Autoconhecimento, Memória Social, História da psicoterapia e Formação do Masculino.

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