Alguma vez já fez algo que te envergonha? Algo tão embaraçoso que, só de pensar, sente uma onda de calor subindo pelo rosto, como se estivesse outra vez lá, naquele momento?
Eu fiz. Tudo começou por acaso, ou pelo menos é o que eu gosto de dizer para me sentir melhor.
Me deixa explicar… Eu morava em um apartamento que dava para a janela da minha vizinha, e todos os dias ela perambulava em casa, seguindo sua rotina normal. Certa vez, estava distraído em casa, olhando justamente pela janela, sem grandes pretensões; com a luz do fim de tarde entrando pela sala – aquela luz que deixa tudo meio dourado, quase bonito, mesmo as coisas que não são – estava pensando na vida, ou talvez em nada, quando a vi novamente e de forma diferente.
Ela entrou no quarto e deixou as cortinas meio abertas. Estava lá, tão natural, tão despreocupada, como se ninguém pudesse vê-la. Uma imagem comum… E eu… eu fiquei parado, imóvel, sem saber o que fazer. Fiquei ali, como se o tempo tivesse parado. A mente dividida entre duas vozes: a primeira, insistindo que eu fechasse a cortina, que desviasse o olhar; a outra, curiosa, querendo saber o que viria a seguir, o que acontecia na vida daquela mulher.
Sabe, não sou nenhum herói de moral impecável, e naquele momento, deixei que a curiosidade vencesse. Não porque eu quisesse fazer mal, mas porque algo em mim parecia fascinado, hipnotizado por aquela vulnerabilidade alheia. Ou sei lá… apenas curiosidade de saber da vida alheia.
Mas, ela tirou a blusa devagar, deixando à mostra a tatuagem, depois a saia, e tudo parecia tão íntimo, ao mesmo tempo tão errado. Eu devia ter parado. Devia ter fechado a janela. Mas fiquei.
Depois de alguns minutos, voltei a mim. Fechei rapidamente a cortina, sentindo o coração disparar. Uma mistura de vergonha e adrenalina. Senti-me sujo, como se tivesse invadido algo sagrado.
Porém, retornei outras várias vezes, tanto que perdi as contas. Sempre no mesmo horário, quando o sol estava se pondo, e esperava a cena, que gerava em mim um misto de sentimentos e outras coisas. Aquela experiência nunca passou disso. Não compartilhei isso com ninguém, exceto…
Passado alguns meses refletindo, evitando olhar pela janela, e até sair de casa nas horas que sabia que poderia encontrá-la, a culpa se instalou. Não dava para fugir. Ela se espalhou por dentro, como uma mancha que não saía mais.
E foi numa tarde de culpa que decidi que precisava fazer alguma coisa. Não podia continuar assim, fingindo que não aconteceu. Então, escrevi uma carta. Não era longa, mas era sincera. Não assinei. Disse apenas o essencial: que eu tinha visto, que me arrependia profundamente, que ela merecia respeito, que aquilo não iria acontecer novamente.
Dobrei a carta e, com as mãos trêmulas, coloquei-a em sua caixa de correio.
Nunca soube se ela leu, nunca soube o que pensou. Mas eu sabia o que sentia. Pela primeira vez, depois de muito tempo, senti uma espécie de alívio, como se aquela confissão silenciosa tivesse tirado um peso das minhas costas. Mas isso não durou muito e acabei iniciando terapia para lidar com a culpa. Na terapia descobri que aquele prazer não era um comportamento só meu, muitas pessoas sentiam também e eram chamadas de voyeurs, algumas apresentavam o transtorno de Voyeurismo.
Com o tempo aprendi uma coisa importante sobre tudo aquilo: o peso da vergonha é leve comparado ao peso do arrependimento pela falta de autoconhecimento e controle do próprio comportamento.
A vizinha? Nunca mais a vi daquela maneira. Mas aprendi a olhar para mim, e isso, de certa forma, foi o mais importante.
Nenhum de meus contos retrata o caso de algum paciente atendido por mim. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a buscar terapia/psicoterapia.
Se quiser falar comigo ou se estiver à procura de ajuda para si ou para alguém, entre em contato.