Trabalhar com a mente significa viver sempre se questionando: existe alguma coisa de biológico no que fazemos ou é tudo psicológico mesmo? Partindo dessa questão já li diversas teorias e a cada novo texto, ao invés de uma ideia se firmar, na verdade, ela se desconstrói.
O último texto que li foi em março de 2020, era uma reportagem de janeiro deste ano do site UOL, onde um professor da Unicamp, Luís Fernando Tófoli, trouxe à tona uma questão problemática para o campo da psiquiatria e se trata justamente desta questão que apontei no início, para ele a teoria da desregulação neuroquímica é um mito.
“Bem, é isso mesmo que você leu, para este médico, doutor em psiquiatria, não existe evidências do ponto se vista científico, de que haja uma desregulação de serotonina no cérebro de uma pessoa deprimida por exemplo.”
Ele explica que esse mito se formou quando descobriram a ação dos psicofármacos nas alterações dos neurotransmissores e, portanto, foi um movimento quase automático explicarem esta ação como sendo realizada para falta de tal neurotransmissor. No entanto, assim como quem tem dor de cabeça e toma aspirina não está com falta dos componentes da aspirina no organismo, assim também acontece com os neurotransmissores, ou seja, os psicofármacos funcionam, mas isso não significa que seja por conta de uma desregulação química cerebral.
Nesse momento você pode estar se perguntando: Mas eu já ouvi isso várias vezes, inclusive de meu próprio médico. Bem, segundo esse professor da Unicamp, esse mito foi utilizado porque ele ajuda os pacientes a aderirem ao tratamento medicamentoso. Ou seja, quando você vende a ideia de que existe um paradigma biológico envolvendo um transtorno mental as pessoas aceitam de forma mais fácil a possibilidade de utilizar o remédio, tendo em vista ainda existir o preconceito em relação ao tratamento psiquiátrico. Além disso, tal mito também tem incentivo da indústria farmacêutica e coloca os médicos psiquiatras como profissionais tais como os demais que se ocupam da medicina.
O intuito de tocar neste tema não é desmoralizar o uso dos medicamentos, não mesmo, sei o quanto eles são necessários e em minha prática clínica costumo trabalhar em conjunto com médicos psiquiatras, e indico meus pacientes a procurarem pelo atendimento psiquiátrico quando identifico que a intervenção natural (psicoterapia) não será suficiente. O posicionamento do próprio Luís Tófoli também deixa isso claro, que os medicamentos funcionam, porém é preciso esclarecer as coisas sobre eles até para que haja um consenso sobre como será o tratamento definido.
Parece que na atualidade, em virtude da importância dada aos medicamentos, é comum as pessoas preferirem intervenções medicamentosas, mas isso não significa que elas sejam a melhor opção, cada caso é um caso. Partindo desse pressuposto, lembro-me do posicionamento que sempre tive enquanto terapeuta e profissional de saúde mental: os medicamentos são necessários em muitos casos, eles têm sua validade, mas não resolvem tudo.
“Não podemos medicalizar a vida. Sentir faz parte de nós, não adianta querer fugir dessa experiência. Quando não temos isso em mente esquecemos que se entristecer, chorar, ficarmos ansioso, com raiva, etc. pode ser uma experiência natural pra nós.”
É por isso que sempre indico que o ideal para o início do tratamento em saúde mental é ele começar por vias menos invasivas, no caso pela psicoterapia, para somente depois fazer a inserção dos psicofármacos, pois assim a pessoa tem a possibilidade de resolver a questão em sua mente de forma natural e somente quando isso não for possível ter ajuda de alguma substância. Intervenções naturais sempre fizeram parte do cuidado em saúde, lavar as mãos é um exemplo clássico de como podemos promover e prevenir doenças, por que em se tratando de saúde mental o ideal é fazer uso de medicamentos como único meio de cuidado? Precisamos refletir…
Então, pra finalizar, o que este professor trouxe à baila, na verdade é apenas de que a teoria das químicas do cérebro não explicam os transtornos mentais. Nesse sentido, você não está depressivo por falta de serotonina, mas pode ser que o uso de medicamentos regule a quantidade delas e isso te faça se sentir melhor. Sendo assim, é possível que o tratamento possa ser organizado em conjunto entre o psicólogo e o psiquiatra, pois o ideal de tratamento pensando em casos de adoecimento mental, é sempre o trabalho interdisciplinar, ou seja, o que atravessa mais de um profissional, assim a possibilidade de melhora do paciente é sempre maior.
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