A “visão de homem” pautada no modelo hegemônico de masculinidade faz com que nós homens só enxerguemos uma forma de ser e isso inclui o uso da força, a conhecida “virilidade” e, claro, o machismo. Cerca de 65% dos meus pacientes são homens e a maioria chega na terapia com muita desconfiança, resistência, e necessitando de regulação emocional de modo mais acentuado que os demais pacientes. Isso acontece porque, de modo geral, eles acreditam que o cuidado ou o autocuidado representa fragilidade.
Nesse sentido, a terapia assusta. Ela é um lugar de transparência, de pausa da “vida normal”, um momento de rever crenças, de criar vínculos, vivenciar a vulnerabilidade e construir coisas novas. Além disso, a terapia é uma experiência de aprendizado sobre si que possibilita a gente reunir todos os fragmentos da nossa história pra compreender o presente, tomar decisões, e seguir.
Acontece que muitos homens não conseguem se dar a chance de reaprender a viver. Eles não aceitam olhar para o seu passado. Muitos acreditam mesmo que vivem uma vida ótima, que sua criação foi perfeita, que vivenciar emoções é algo dispensável, que falar de si é perda de tempo, logo a terapia é vista como gasto e não como investimento, mesmo quando estão com a vida em frangalhos.
Eu já perdi a conta de quantas vezes fui questionado por pacientes homens pelo tempo de duração da terapia ou se existe algo mais rápido do que falar sobre si. Parece que o modo focado em objetividade fala mais alto e reconhecer que existe nele algo para além do que ele pode enxergar e controlar é banal e assustador. Isso já aconteceu inúmeras vezes e, a cada nova experiência, eu percebo o quanto esses pacientes necessitam atender suas emoções primárias.
Ao longo da minha experiência fui percebendo que os homens se estruturam psicologicamente numa combinação envolvendo “privação e inibição emocional“, “arrogo” e “autocontrole e autodisciplina insuficiente“. Porque boa parte deles não sabem o que significa chorar ou simplesmente demonstrar afeto, aparentam sentir-se superior às outras pessoas, em muitos casos as mulheres, e coexistem num lopping eterno de erotização (aspectos sempre inconscientes).
Sabe aquele lance do “engole o choro porque você é homem“, “você é forte, carrega essas caixas“, “se te deu mole passa o rodo porque do contrário eu vou te estranhar“. Então, isso existe e é presente na vida de muitos homens ainda em formação, os meninos e adolescentes, mas também dos que já são adultos e hoje sofrem os males da masculinidade chamada de “tóxica“.
Este termo masculinidade tóxica hoje está na moda, a gente consegue encontrar textos, vídeos, livros, de diversos autores falando de forma direta ou indireta sobre ela. No entanto, ao mesmo tempo em que encontramos diversos materiais explicativos sobre o assunto, esbarramos também na rigidez de muitos homens constituídos nesse universo patriarcal, que tem lá seus benefícios para nós, mas hoje tem se tornado um problemão também.
Aqui cabe uma reflexão: Se o mundo em que vivemos está em processo de mudança, porque o homem permaneceria sendo pra sempre o mesmo?
Desde o século XIX, a gente percebe como a sociedade está em constante transformação. O feminino entrou nesse movimento e a cada dia vemos como as mulheres têm se posicionado de modo diferente e, em consequência disso, exigindo de nós homens uma postura semelhante. É justamente nesse ínterim que nós homens também começamos a entrar em crise, afinal de contas, “não dá pra sermos os mesmos homens para mulheres diferentes“. Sacou?
Então, em meio às mudanças femininas, mudanças na sexualidade, mudanças na educação de modo geral, será mesmo que nós homens permaneceremos sendo “homens das cavernas”?
Não tem pra onde correr, não somos uma ilha neste mundo, somos e seremos impactados por tudo. Darwin já anunciou no século XIX que os organismos mais bem adaptados ao meio têm maiores chances de sobrevivência. Não estou falando que seremos extintos, mas que tudo muda e que nossa subjetividade de homem também está passando por uma transformação.
Ainda que nós homens sejamos ensinados a não vivenciar e demonstrar afetos, somos seres emocionais e precisamos senti-las para manutenção de nossa saúde mental. No caso específico da masculinidade, a inibição emocional tem custado alto preço a nós de modo geral, como podemos observar nos indicadores de mortalidades no Brasil que aponta os homens como a maioria. O homem morre mais porque não se preocupa com o autocuidado (incluo aqui a saúde mental), é a maioria no envolvimento em mortes violentas, além de ser também a maioria dos agressores domésticos. Ou seja, tem algo errado nessa fórmula e por isso precisamos pensar e buscar alternativas de mudanças. Não dá pra achar isso tudo normal em pleno século XXI.
Esses dias eu estava refletindo sobre como essa demanda clínica de trabalho com o masculino é complexa. Comecei comparando com alguns pacientes com diagnósticos mais desafiadores, sobretudo os que têm transtornos de personalidade, porque a mudança envolve a estrutura da pessoa em si, no jeito de ser, e isso não é simples, torna-se desafiador e eles também evitam experiências como as psicoterapias. Se analisarmos o percentual de homens que procuram ajuda psicológica já percebemos o quanto é desafiador também, é o mesmo mecanismo evitativo.
Se somos seres emocionais precisamos nos conectar com nossas emoções e uma forma de fazermos isso é visitando nossas memórias. A característica envolvendo inibição emocional junto da privação emocional forma um prato cheio pra que nos desconectamos de nós mesmos.
No meio dessa gigante prisão emocional muitos homens têm sofrido por sua condição “macho viril“, mas falar sobre isso é “tabu“. A maioria ainda prefere continuar a viver como se fossem “malabaristas emocionais“. Simbolicamente, é como se pegássemos nossas emoções e ficássemos suspendendo cada uma delas pra não tocá-las. Sabe esses malabaristas de bolinhas de sinal, seria a mesma coisa, imagine que cada bolinha é uma emoção e elas permanecem em movimento, mas não tocam outras partes do corpo a não ser as mãos. Assim é a vida emocional do homem, ele se esforça pra mantê-la em segurança, sustentá-la em movimento e no alto, mas sem se envolver, sem deixar se afetar por qualquer uma delas.
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