Às 20h em ponto entrou no consultório meu último paciente de sexta-feira que tem 68 anos. Como de costume e relacionado a sua demanda na terapia, repetiu algumas falas e explicou por que demorou pra responder uma mensagem que eu havia mandado para seu Whatsapp. Disse que comprou o telefone fazia 3 meses mas ainda não sabia usá-lo e não tinha ninguém que pudesse ensiná-lo, apesar de não viver sozinho.
Diante desse comentário e percebendo o quanto ele se sentia triste por não saber usar o smartphone, principalmente o whatsapp, eu disse:
– Fulano pega esse telefone aí e vamos aprender a usar o Whatsapp. [rapidamente ele já estava pronto com o celular na mão]
– Em que lugar eu coloco o dedinho pra ler as mensagens? [questionou ele]
– Bem, você vai clicar em cima do nome… Pense que cada contato seu tem uma sala de bate papo. Como se fosse a sala da sua casa e ali vocês podem conversar à vontade, no privado… Existe a possibilidade de conversar em grupo também, mas isso a gente fala mais pra frente. [expliquei detalhes básicos e necessários pra ele usar o aplicativo]
Assim que ele compreendeu a dinâmica e testou algumas vezes enviando mensagens e áudios pra mim, sozinho ele mandou um áudio pra filha dizendo que estava aprendendo a usar o aplicativo.
Viver sem saber utilizar o Whatsapp coloca meu paciente numa bolha que limita sua comunicação, ao mesmo tempo que o faz sentir-se diferente das pessoas a sua volta. O sentimento de inutilidade soma-se a crença de que a velhice pode ser algo descartável ou até ultrapassada… aprender a usar o Whatsapp significa perceber que a vida continua, e ainda há o que se aprender, há coisas pra se adaptar, novos amigos pra fazer, atividades novas pra se divertir. Isso tudo e mais um monte de outras questões contribuem para a saúde mental e pode proporcionar bem estar e felicidade.
Meu paciente foi embora feliz como uma criança que acabara de ganhar um novo brinquedo. O problema que o trouxe à terapia não foi solucionado só porque aprendeu usar o Whatsapp, mas sentir-se capaz, útil, vivo, motivado, etc. sem sombra de dúvida o auxiliará a passar com mais vigor pelos desafios que existem.
Fazer psicoterapia é sair da caixinha. É ultrapassar as barreiras impostas pelas práticas tecnicistas… É olhar quem está a sua frente como um ser humano que vai além de qualquer teoria. Às vezes pouca importa o que os grandes pensadores da Psicologia falam sobre o setting terapêutico, muitas vezes vale muito mais deixarmos fluir a intuição porque ela amplia os horizontes e pode nos ajudar avançar.
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