Nos últimos tempos, tenho visto nas redes sociais um movimento preocupante de ataques entre colegas Psi’s por causa de algumas abordagens psicológicas estudadas e aplicadas em consultório (principalmente a psicanálise), assim como, uma maçante cobrança por estudar somente determinadas abordagens em detrimentos de outras. Confesso que, em vários momentos, também fui afetado por esse movimento, sobretudo porque valorizo a atualização profissional e o discurso alcançava essa ideia. Porém, acredito que consegui me desvencilhar dele, e segui confiante de que minha prática clínica está alinhada aos meus valores pessoais e profissionais, o que me ajuda a manter-me na direção do que almejo alcançar em minha carreira profissional.
Nesse movimento, identifico que muitos dos ataques e comentários partem de estudantes da graduação em Psicologia e ou de profissionais recém-formados, o que me deixa ainda mais triste e preocupado, porque isso revela uma falta de empatia e compreensão da ciência e da profissão que estão apenas começando a explorar. Se for pensar no sentido estrito da palavra Psicologia, é como se eles não compreendessem o real significado daquilo que estudam (Infelizmente, considerando o grande número de estudantes e recém-formados em nosso país, esse movimento de ataques têm bastante adeptos).
Diante disso, trago uma mensagem para você, colega de profissão, psicóloga ou psicólogo, que – por diversas vezes – já se sentiu atacado e pressionado por esse grupo nas redes.
Primeiramente, gostaria de lembrá-lo que, apesar dessa realidade difícil, a nossa profissão é linda. Trabalhar com pessoas é muito enriquecedor. É um desafio diário, mas é gratificante poder ajudar alguém a seguir sua jornada utilizando o que ela tem de melhor.
Quanto aos ataques e à insistência em se estudar apenas determinadas teorias, ressalto que a Psicologia, enquanto uma disciplina científica, ela se constrói sobre um arcabouço teórico e prático vasto e diverso. Por este motivo, divergências sobre seu objeto de estudo e sua epistemologia sempre existiram historicamente e, provavelmente, continuarão a existir. Portanto, todo esse movimento não é algo novo na história da Psicologia. Não se esqueça disso…
Assim sendo, não caia na ilusão de que uma teoria específica lhe trará segurança absoluta na prática clínica — isso não existe. Infelizmente, muitos colegas tornaram-se vendedores de cursos. Eles compreenderam a dor de ser terapeuta e faturam em cima disso. Obviamente, não estão fazendo nada de errado ao vender cursos – isso é comum, ético e, em certa medida, benéfico. A questão está na forma como tentam convencê-lo a investir em seus cursos. Muitas vezes, o marketing é agressivo, fazendo com que muitos de nós se sintam mal e ou desprestigiando o espaço universitário e acadêmico (os únicos certos e donos da verdade são esses vendedores de cursos).
Posto isso, enfatizo que o sentimento de insegurança faz parte da nossa humanidade (tenho certeza absoluta que você sabe disso – apenas estou relembrando). Penso que lidar com a dor do outro faz com que ela, a insegurança, ressoe em nós. Essa promessa de segurança profissional, tão vendida atualmente, especialmente nas redes sociais, é ilusória. Com o tempo, você perceberá que a nossa prática exige muito mais do que a correta aplicação de técnicas. Ela demanda presença sincera, atenção profunda, envolvimento pessoal e, naturalmente, um mergulho emocional — e isso é desafiador.
Ser terapeuta não é fácil, nem significa ter respostas para todas as queixas ou soluções para todas as dores. Existem pessoas que nem sequer estão interessadas em experimentar as técnicas que conhecemos (se você nunca teve um cliente assim, deve ter pouco tempo de atendimento). Muitas até rejeitam as técnicas e dizem que só precisam ser escutadas, o que exige flexibilidade e adaptação de nossa parte.
Embora nossa formação técnica e teórica seja essencial (é impossível atuar sem conhecimento), ela não impede o desconforto de não saber o que perguntar, nem elimina o constrangimento diante de relatos difíceis. Em outras palavras, precisamos estar tecnicamente preparados, mas não temos para onde correr: nós somos a nossa maior técnica e ferramenta terapêutica. Se formos apressados sufocamos quem nos procura, pois nós, humanos, precisamos de tempo e sentido para seguirmos em direção às mudanças.
É por isso que, desde sempre, a supervisão clínica é uma prática fundamental em nossa área (e não um curso online de um mentor cheio de seguidores nas redes). É nesse espaço que aprimoramos nossas habilidades e aprendemos a lidar com situações que não estão descritas em manuais ou contempladas em pesquisas científicas. A clínica real é cheia de nuances, e só com o tempo e a prática desenvolvemos a capacidade de navegá-las.
Na semana passada, ouvi de um paciente algo que me marcou. Ele disse: “Eu faço terapia com você porque, se eu ligar às três da manhã, você vai me atender sem me ver como um peso. ”. E ele está certo. Esse compromisso faz parte de quem sou e vai além de qualquer definição teórica sobre empatia que li em manuais clínicos. Nunca encontrei em nenhum livro o ensinamento de como fazer as pessoas se sentirem humanas e acolhidas a ponto de confiarem em mim nesse nível. Saber que podem me ligar às três da manhã (quando faz sentido e de acordo com o caso), sem se sentirem um fardo, foi algo que aprendi na prática, errando, mas, principalmente, expressando quem sou de forma autêntica.
Então, colega Psi, o que quero dizer é que a insegurança nos acompanha porque somos comprometidos com nossos pacientes/clientes. Não somos vendedores de ilusão, nem profissionais perdidos que precisam a todo momento de mais um curso, mas psicólogos clínicos que lidam com dores reais da vida, com a subjetividade das pessoas (e isso é muita coisa). Por isso, sua insegurança não precisa ser eliminada; ela deve ser acolhida como parte do seu amadurecimento profissional. Aos poucos, no seu próprio tempo, novos conhecimento serão adquiridos, sem que você se sinta pressionado a ingressar em uma nova tribo, a correr o risco de ser considerado falho ou irrelevante.
Com carinho,
Psi Maicon Moreira