Minha história profissional me marcou profundamente… Eu não sabia o quanto tudo que passei tinha deixado marcas em mim. Somente hoje depois anos consigo perceber que preciso parar e rever minha caminhada. Meu nome é William, tenho 38 anos, e vou contar pra vocês como minha vida profissional me levou à ansiedade.
Eu como a maioria dos brasileiros tive que começar a trabalhar cedo pra ajudar no sustento de minha família. Aos 16 anos comecei a fazer pequenos bicos de entregador de quentinhas, fazia alguns trabalhos para familiares e até ajudava alguns colegas com assuntos escolares, tudo isso pra conseguir um trocado.
Com 18 anos eu comecei a trabalhar num supermercado próximo de minha casa como empacotador. Minha tarefa era abastecer as prateleiras, assim como ajudar a empacotar as comprar dos clientes junto com as meninas que ficavam no caixa.
Minha rotina era divertida, eu brincava bastante ao longo do dia, as pessoas lá eram legais, acolhedoras e muito fortes. Esse trabalho tinha uma carga horária bastante puxada pra mim na época, eu ficava entorno de 06 horas na empresa e tinha uma folga na semana apenas, mas lá eu aprendi a ter responsabilidade, ser pontual, a respeitar normas, a ter mais humildade com as pessoas e a tratar os clientes com respeito. Sempre que podia gostava de prestar atenção nas tarefas de outros colegas pra aprender um pouco do que eles faziam também, eu tinha uma curiosidade gigantesca e muita vontade de crescer profissionalmente.
Depois de 2 anos e meio como repositor me promoveram a fiscal de caixa e assim eu passei a trabalhar ajudando a supervisora dos caixas. Nessa nova função minha rotina era mais administrativa e de suporte interno, assim eu deixei de ter contato direto com o cliente e passei a interagir apenas com colegas de trabalho. Com essa mudança eu me senti feliz, foi uma promoção, nossa foi muito legal ser reconhecido pelo esforço que eu tinha lá na empresa. Quando eu recebi a promoção foi praticamente uma festa porque meu chefe me falou isso no final do expediente na frente de todos quando o mercado já estava com as portas fechadas e somente conosco lá dentro… Foi marcante, especial, é uma lembrança boa demais que eu tenho guardado comigo.
Com essa promoção veio também algumas mudanças. Antes eu trabalhava de 08h às 14h e a partir de então passei a trabalhar de 09h às 18h. De início foi tranquilo, mas depois eu senti que isso foi uma mudança considerável em muitos sentidos, porque passei a ficar mais tempos no trabalho e a ter que resolver os pepinos de todos os turnos lá no mercado. Além disso, me senti mais cansado porque antes saía muito cedo e voltava cedo também pra casa, com isso os ônibus estavam sempre vazios, o que a partir da promoção não aconteceu mais.
Eu sabia que haveria mudanças com a promoção e as recebi de braços abertos, mas a que mais impactou foi a mudança de liderança, porque meu antigo chefe era um parceirão, desses que a gente convida pra fazer churrasco em casa e a nova líder dos caixas era muito diferente. Ela estava na empresa já há 10 anos, era bastante comprometida, rígida e eu já tinha ouvido falar algumas coisas desagradáveis dela, mas tentei não colocar energias nesses detalhes e a trabalhar da mesma forma que fazia focado nos resultados.
A questão foi que essa líder se aproximou de mim, contou sua história de vida, que por sinal foi feita de bastante superação, e por fim me incentivou e prometeu a me desenvolver para assumir seu cargo quando ela saísse de lá. De início eu nem entendi muito bem a proposta porque tinham outros fiscais lá no mercado e pensei que seria um pouco cedo pra ela pensar naquilo, mas parece que ela já observava meu desempenho e por isso pediu minha promoção e transferência para o setor dela. Apesar de toda minha estranheza, confesso que eu fiquei é muito feliz mesmo. Imagina só, você ser promovido e ainda de quebra ter outra possível promoção em vista… cara, eu estava nas nuvens.
Assim como no trabalho no salão do mercado, eu também coloquei bastante energia pessoal no trabalho como fiscal de caixa. Continuei sendo a mesma pessoa de antes, comunicador, risonho, brincalhão e atencioso com todos e me sentia feliz. Mas, com o passar dos meses a Rosane passou a me chamar pra conversar e aplicava feedback sobre meu jeito de ser, ela dizia que eu era muito extrovertido com os colegas de trabalho e cobrava de mim uma postura mais séria, rígida e pontual de cobrança com esses colegas. Poxa, foi difícil pra mim me adaptar aquilo porque eu não era daquele jeito, mas me esforçava e aos poucos fui mudando, tanto que os colegas começaram a perceber e faziam piadinhas quando eu passava. Eu achava chato, mas entendia e a Rosane dizia pra mim que era inveja e eu acreditava nela.
Com o passar dos meses além da mudança comportamental a Rosane passou a me cobrar por produtividade. Bem, eu entrava às 09h e saía às 18h e ela disse que todo líder tinha que trabalhar mais que os demais funcionários, por isso a hora extra não era uma ajuda que a gente dava pra empresa, mas sim uma obrigação. Isso também foi difícil porque eu passei a sair de lá por volta de 20h30min da noite, quase 21h, e meu tempo livre começou a ficar cada vez mais escasso. Depois de mais ou menos uns 3 anos nessa função eu já fazia aquilo tudo por osmose, era automático, o trabalho me consumia, a vida passava e eu entendia que era daquele jeito mesmo que tinha que ser.
Passado 5 anos trabalhando na mesma empresa chegou a minha vez de assumir a tão esperada promoção a supervisão de todos os caixas da empresa. A Rosane foi promovida a gerente do supermercado e eu assumi o lugar dela. Poxa, eu fiquei muito feliz, a Rosane estava certa mesmo, eu estava crescendo e todo esforço fazia muito sentido. Meu salário triplicou, eu tinha uma função de destaque, liderava 38 pessoas e ainda tinha a possibilidade de novas promoções na empresa, claro que pra outra filial.
Apesar dos aspectos positivos de tudo isso e o aprendizado que a Rosane me passou ao longo do tempo, aos poucos eu comecei também a colher alguns frutos negativos de tudo aquilo. No todo, o que eu mais sentia era a falta de tempo pra viver. Parecia que não existia mais o William, com 23 anos eu me sentia mais um braço do mercado que uma pessoa. Não sabia de mais nada a não ser sobre o que acontecia lá dentro, tudo era estranho porque ao mesmo tempo em que eu me sentia grande também me sentia pequeno, limitado, com uma carreira promissora e ao mesmo tempo fracassada. Mas eu seguia a rotina, cumpria minhas obrigações, guardava minha angustia, desafetos, preocupações, e seguia, cumpria com minha missão, pagava as contas, viaja nos fins de semana, namorava quando dava, vivia como dava…
Certa vez quando eu estacionei minha moto atrás do mercado pensei que estava tendo um infarto. Caí no chão de tanta dor no peito, chorei, gritei pedindo socorro e fui ajudado por alguns funcionários que trabalhavam no frigorífico do mercado. Eles me colocaram num carro do mercado e me levaram pro hospital. Lá eu fiquei por algumas horas fazendo exames, eles disseram que não era nada demais, que tinha sido um pico de ansiedade e assim eu voltei pra trabalhar no mesmo dia.
Passado seis meses novamente eu senti a mesma coisa, mas com menos intensidade e como sabia mais ou menos o que era deixei pra lá e segui. Depois de um ano do primeiro episódio eu passei a sentir formigamento nas pernas, também aperto na garganta e fortes dores de cabeça. Rosane minha chefe pontuou que eu reclamava demais de dor, que sempre estava mal e que estava sendo fraco, me entregando pra qualquer dorzinha. Eu novamente acreditei nela, queria ser promovido e passei a ficar calado sobre o que sentia. Fiz o mesmo em casa, porque final de contas, se as pessoas no trabalho percebiam, imagina em casa. Assim foi passando o tempo, eu guardando minhas dores, meus apertos no peito, minhas faltas de ar, meus formigamentos…
Com 9 anos trabalhando no mercado e há 5 como supervisor de caixas, novamente a rádio corredor começou a falar que a empresa queria um novo gerente e quando eu ouvi isso meu coração acelerou. Nessa época eu já estava com 27 anos e praticamente vivia pra empresa, então de imediato eu pensei em apresentar mais resultados pra conquistar a tal vaga e assim eu fiz, passei a fazer “brainstorming” em casa aos domingos pra superar as expectativas da Rosane e dos donos do mercado, eu passei a trabalhar todos os dias, sem folga, só pensava no mercado, em resultados, em gestão, vendas, estoques, balancete de verificação, etc.
Nesse ínterim, eu já não tinha minha vida, não sentia meu coração, não chorava, não sorria, eu só produzia. Meu peito doía todo dia, eu tinha uma vontade de sair correndo pelas ruas e encontrar algo que eu não sabia o que era, eu me sentia uma farsa, parecia que meu nome era angústia e não William.
Foi assim que meu trabalho criou uma fenda na minha vida que eu não sei se conseguirei fechar. Eu até consegui me tornar gerente do mercado, me tornei parceiro de trabalho da Rosane, ela foi pra outra filial numa cidade ao lado e eu assumi a posição dela na empresa. Eu continuo admirando a força dela, e também minha trajetória, mas hoje sinto que tudo isso me trouxe aqui, numa ansiedade que só hoje eu sei o que é, uma angústia que parece não acabar, num acompanhamento estranho de mim mesmo comigo e com outros (psicólogo e psiquiatra). Hoje eu tento me reencontrar, aprender sobre limites pessoais, sobre o verdadeiro significado de sucesso, pra seguir com menos impacto.
A ansiedade deixou de ser um sintoma e hoje parece ser uma sombra maldita que me acompanha. Ela aperta meu coração, me angustia, me entristece, faz eu me sentir inferior ao que realmente eu sou e isso é uma tormenta.
Aos poucos eu tenho conseguido entender porque ela se instalou, os momentos em que minha mente estava tentando me avisar alguma coisa e eu ignorava. Essa maldita ansiedade se enfiou dentro de mim com a minha permissão, mesmo que inconsciente e hoje eu vivo reorganizando minha vida, colocando cada coisa em seu devido lugar, entendendo a importância do trabalho, do estudo, do lazer e faço esse exercício através da terapia.
Nenhum de nossos contos retrata o caso de algum paciente atendido por nós. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurarem terapia/psicoterapia.
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