Talvez você tenha anotado no seu bloco de notas ou mesmo na agenda uma fartura de dicas e ideias possíveis para você se reinventar. De repente fez algumas inscrições em cursos e workshops, e nem todos talvez consiga fazer. Uma extensa lista e vários artigos salvos. A ideia é recuperar o tempo perdido. Tudo isso para não lidar com o tempo ocioso. Pergunto, o que você acha que está tapando com tudo isso?
Há um exagero coletivo de produção. Ora, mas não era isso que vínhamos dia após dia fazendo? O mundo inteiro está retraído, isolado, medidas extremas de reclusão estão sendo necessárias e nós ainda não captamos a ideia. E talvez não seja porque temos uma educação precária, mas ouso pensar que mais difícil do que correr riscos de vida seja para o brasileiro suportar os dias escuros, as noites sombrias e a solidão que persiste em nos acompanhar nessa pandemia. O COVID-19 é real, a contaminação cada dia chega mais perto de nós. Não é mais uma catástrofe do país vizinho, mas também um marco em nossa geração.
Esse rompimento com a vida social nos leva de volta as escuras da nossa alma, esse reencontro está sendo rejeitado e fazendo emergir sensações de pânico, o medo se tornou algo tão perturbador que fazer enormes listas não está mais dando conta. O que esse rompimento social está nos obrigando a enxergar em nós mesmos é algo que já estava existia só que agora encará-lo é tudo que não queremos, não suportamos. A psicanálise cita que todo exagero esconde uma falta. Esse momento pandêmico está dado, não é escolha, da mesma forma que navegar no desconhecido por mais perturbador que possa ser é aceitar olhar para nossa vulnerabilidade, é jogar com as possibilidades. É aceitar o que a vida está nos propondo, é enveredar pelos corredores das dúvidas é navegar no desconhecido, nisto ouso pensar.
Quando há uma perda na vida particular de alguém, ela precisa processar essa perda, calcular os danos, limpar os destroços e tentar continuar de onde parou, mas até esse estágio ela precisa suportar a noite escura sem sucumbir ao adoecimento. No coletivo funciona da mesma forma é tentando e descansando.
Isso me faz lembrar do fundador da psicologia analítica, o doutor Jung, médico psiquiatra. Em seu rompimento com Freud, ele se viu revisitando seus porões da alma e em um de seus registros ele menciona “Pus-me, então, à escuta do que o acaso trazia” (Jung, 2015, p. 177). Seus escritos relatam que foi um marco na sua vida bem como em toda sua obra. Essa experiência ele relata no livro base de sua teoria, o Livro Vermelho.
Você pode mergulhar quando se permitir, quando encarar essas sensações angustiantes e perceber de fato o que esses tempos estão te propondo. Aproveita o convite. É possível fazer brotar novas flores, enxergar um novo dia e viver assumindo quem tu és e se permitindo um novo Eu no meio ao caos. Saia da superficialidade, é dentro que está o que você procura e precisa.
JUNG, C.G. Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
JUNG, C.G. O Livro Vermelho, 2ª reimpressão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
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